terça-feira, 14 de março de 2017

Discurso Indireto Livre

Numa história há três tipos de discurso.


1)  O discurso direto, em que o narrador reproduz a fala do personagem usando aspas ou travessões, como neste exemplo:

João se dirigiu a recepcionista:
—Por favor, em que andar é a sala do Dr. Coutinho?

2)  O discurso indireto, em que o próprio narrador menciona qual foi a fala do personagem:

João se dirigiu à recepcionista e perguntou em que andar ficava a sala do Dr. Coutinho.

Quando se usa um e quando se usa o outro?
Normalmente quando se inicia um diálogo, ou onde as falas dos personagens são longas, usar o discurso direto é mais adequado. Deixa-se o discurso indireto, então, para pequenas falas entremeadas na narrativa, como no exemplo dado. Não há por que criar uma introdução para um diálogo apenas para uma curta fala. Vejam.

Naquela manhã João estava disposto a resolver algumas pendências que vinha adiando. Em primeiro lugar iria ao dentista. Apesar de não estar sentindo dor, já havia passado da hora de fazer um exame de rotina e uma profilaxia.
Chegou ao edifício, dirigiu-se a recepcionista, perguntou em que andar ficava a sala do Dr. Coutinho e entrou no elevador.
Na sala de espera puxou o celular para ver se havia alguma mensagem. Como não havia nada, foi até a mesa de centro procurar alguma leitura pra passar o tempo. Mas era difícil achar algo de seu agrado. A maioria das revistas eram sobre odontologia.

Caso fôssemos usar o discurso direto no trecho acima, haveria uma desnecessária quebra de ritmo.

Naquela manhã João estava disposto a resolver algumas pendências que vinha adiando. Em primeiro lugar iria ao dentista. Apesar de não estar sentindo dor, já havia passado da hora de fazer um exame de rotina e uma profilaxia.
Chegou ao edifício, dirigiu-se a recepcionista e perguntou:
—Por favor, em que andar é a sala do Dr. Coutinho?
De posse da informação, entrou no elevador.
Na sala de espera puxou o celular para ver se havia alguma mensagem. Como não havia nada, foi até a mesa de centro procurar alguma leitura pra passar o tempo. Mas era difícil achar algo de seu agrado. A maioria das revistas eram sobre odontologia.

Mas o formato de discurso mais interessante, na minha opinião, é o:

3)  Discurso indireto livre. Esse tipo de narrativa não se enquadra nos casos descritos acima. Ele é um recurso muito valioso que permite ao narrador entrar na consciência do personagem, provocando uma maior empatia com o leitor ao revelar sua forma de pensar, sua linha de raciocínio.

Embora não seja um recurso fácil de usar, quando bem aproveitado enriquece muito o texto. É uma arma poderosa do escritor para cativar o leitor. O trecho abaixo é retirado do livro “A Guerra dos Tronos”, página 12:

Will viu movimento com o canto do olho. Sombras pálidas que deslizavam pela floresta. Virou a cabeça, viu de relance uma sombra branca na escuridão. Logo depois ela desapareceu. Galhos agitaram-se gentilmente ao vento, coçando uns aos outros com dedos de madeira. Will abriu a boca para gritar um aviso, mas as palavras pareceram congelar na garganta. Talvez estivesse errado. Talvez tivesse sido apenas uma ave, um reflexo na neve, um truque qualquer do luar. Afinal, o que vira?
—Will, onde está?  — chamou Sor Waymar. — Vê alguma coisa? — o homem descrevia um círculo lento, cauteloso, de espada na mão. Deve tê-los pressentido, tal como Will os pressentia. Nada havia para ver. — Responda! Por que está tão frio?

Os trechos em vermelho são discurso indireto livre. Vejam como ele dispensa uma explicação. O autor não usa verbos para descrever que se tratam de pensamentos do personagem. Ele não diz: “Pensou que talvez estivesse errado. Imaginou se não teria sido uma ave, um reflexo na neve ou um truque qualquer do luar. Indagava-se o que teria visto, afinal.” Isso estragaria todo o texto. O discurso indireto livre segue fluido como uma fala do narrador que, naquele momento, incorpora o personagem e expõe suas ideias ao leitor.
Repito. É um recurso belo e muito poderoso. Deve ser usado com parcimônia e cuidado. Há momentos certos para sua aplicação num texto, e serve justamente para criar esse elo que prende o leitor, trazendo-o para dentro da história, fazendo-o sentir as mesmas emoções e sensações que o herói ou vilão sente.

Preste atenção no emprego desse recurso em suas próximas leituras. É fácil encontrar esse tipo de construção nos bons escritores. É uma ferramenta clássica e pode ser encontrado em autores de todas as épocas. Tente colocá-lo em seus próprios textos e veja se o efeito não é arrebatador. Você nunca mais abrirá mão dele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário